sexta-feira, 10 de julho de 2009

O Sofrimento do Hipócrita

Ter mentido é ter sofrido.

O hipócrita é um paciente na dupla acepção da palavra;

calcula um triunfo e sofre um suplício.

A premeditação indefinida de uma ação ruim,

acompanhada por doses de austeridade,

a infâmia interior temperada de excelente reputação,

enganar continuadamente, não ser jamais quem é,

fazer ilusão, é uma fadiga.

Compor a candura com todos os elementos negros

que trabalham no cérebro,

querer devorar os que o veneram,

acariciar, reter-se, reprimir-se,

estar sempre alerta, espiar constantemente,

compor o rosto do crime latente,

fazer da disformidade uma beleza,

fabricar uma perfeição com a perversidade,

fazer cócegas com o punhal, por açúcar no veneno,

velar na franqueza do gesto e na música da voz,

não ter o próprio olhar,

nada mais difícil, nada mais doloroso.

O odioso da hipocrisia começa obscuramente no hipócrita.

Causa náuseas beber perpetuamente a impostura.

A meiguice com que a astúcia

disfarça a malvadez repugna ao malvado,

continuamente obrigado a trazer essa mistura na boca,

e há momentos de enjôo

em que o hipócrita vomita quase o seu pensamento.

Engolir essa saliva é coisa horrível.

Ajuntai a isto o profundo orgulho.

Existem horas estranhas em que o hipócrita se estima.

Há um eu desmedido no impostor.

O verme resvala como o dragão e como ele retesa-se e levanta-se.

O traidor não é mais que um déspota tolhido

que não pode fazer a sua vontade senão resignando-se ao segundo papel.

É a mesquinhez capaz da enormidade.

o hipócrita é um titã-anão.

- Victor Hugo –

(Ilustração: Alida Valli)

Nenhum comentário: